O professor Robert Shiller, da Yale University, é um dos principais estudiosos do mundo sobre preços de ativos e bolhas. Na década de 1980, Shiller ajudou a criar o índice S&P/Case-Shiller, o primeiro indicador de preços dos imóveis do mercado americano e ainda hoje a principal referência dos valores praticados no país. O ex-presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos), Alan Greenspan, fez o famoso discurso em que alertou os americanos sobre a "exuberância irracional" do valor das ações de tecnologia três dias após uma conversa com Shiller - não demoraria muito para que a bolha da Nasdaq estourasse em 2001. A partir de 2005, Shiller começou a falar abertamente sobre a bolha no mercado imobiliário americano - a crise do subprime eclodiu três anos depois e ainda se faz sentir ao redor do mundo.
Em palestra e entrevista no último sábado, durante o 6º Congresso Internacional de Mercado Financeiro e de Capitais, organizado pela BM&FBovespa, em Campos do Jordão, o professor de Yale disse que não vê nenhuma justificação para a magnitude da alta dos preços dos imóveis nos últimos cinco anos no Brasil.
Veja os principais excertos da palestra de Shiller
Economistas nem aceitavam a existência de bolhas há 30 anos, nem existia esse termo nos livros de finanças. Urna bolha é algo contagiante que nasce da perceção das pessoas que é fácil ganhar dinheiro com algo. O entusiasmo é alimentado pelos media, que ajudam a inflar a bolha. Todo mundo pensa sobre os tópicos da moda e ninguém quer saber sobre o que não está em foco. As pessoas reagem com emoções, não conseguem ficar de fora quanto entendem que é fácil ganhar dinheiro de alguma forma. Imagine se não houvesse psicologia nesse processo todo, se todo mundo tivesse expectativas racionais. O problema é que isso não existe. As pessoas acham que as coisas são estáveis e não vão se dar conta de que os preços podem cair até eles caírem.
IMÓVEIS SOBEM DE ACORDO COM CUSTOS DA CONSTRUÇÃO
No meu livro "Exuberância Irracional", analisei os preços dos imóveis desde 1890 nos EUA. Os preços começaram a subir na década de 2000 de urna forma que nunca havia acontecido antes. O único período em que houve uma alta quase tão representativa foi após a Segunda Guerra Mundial porque ninguém construiu imóveis durante o conflito, já que todo o esforço de produção se concentrou na indústria bélica. Quando os soldados voltaram, havia um monte de gente precisando de casas, mas nenhuma oferta. Os especuladores perceberam, compraram e houve urna forte alta. Então sempre haverá picos e oscilações. Mas analisando os preços no período de 110 anos como um todo, é possível perceber que a alta foi muito parecida com a elevação dos custos da construção no período. Se os preços sobem muito em urna cidade, os americanos fazem urna nova cidade, simples assim. Não entendo por que as pessoas acham agora que os valores vão subir para sempre na China, Taiwan, Hong Kong índia, Rússia, Colômbia e Canadá. Eu não consigo entender o que está acontecendo nesses países. Os emergentes estão enriquecendo e as pessoas acham que os imóveis vão ficar mais caros ainda daqui a algum tempo. Mas isso não é verdade. O que manda no preço dos imóveis são os custos da construção. O problema é que os custos deveriam cair - e não subir. A tecnologia de construção vai sempre melhorar. E porque os preços subiram tanto até 2008? Não teve nada demais. Repito: os preços dos imóveis subiram nos EUA de acordo com a inflação desde 1890, o país teve um enorme desenvolvimento nesse período, mas nem assim os preços subiram. Isso é um dado histórico.
O ANTÍDOTO CONTRA BOLHAS
Vários países estão tornando medidas para conter o mercado imobiliário, como Israel e China. O Brasil está elevando a taxa de juros. Se o governo criar uma boa infraestrutura e investir em mobilidade urbana, porque as pessoas vão querer pagar tanto para estar em determinado local? Em Nova York, há bairros longe de Manhattan que atraem as pessoas, o que ajuda os preços a cair. O programa Minha Casa, Minha Vida mostra que o governo está preocupado com as pessoas, mas isso pode ter ajudado a puxar os preços para cima. O governo deve retirar as barreiras para construção de mais imóveis. Se o governo quer dar incentivo à procura, é preciso também pensar na oferta de novos imóveis. Entendo que um médico não possa promover um remédio antes que seja comprovado que ele é eficaz para curar uma doença. Mas os financeiros devem alertar a população sobre os riscos de bolhas mesmo que não seja possível comprová-las, porque as perdas depois são dolorosas.
DISCURSO ANTIBOLHA
Eu sinto que tenho que avisar as pessoas que estão felizes com a alta dos preços que as coisas podem andar na direção contrária, É preciso falar sobre a possibilidade de uma bolha ainda que eu não possa provar sua existência. Tem muitos interesses que querem que o jogo continue. Mas o governo precisa conter excessos. Quando aumentou os juros no passado, a Reserva Federal foi bastante criticada por "mandar tirar a bebida assim que a festa começava". Mas depois de 2008, com a crise do subprirne, o próprio G7 começou a fazer alertas sobre bolhas em seus comunicados. Até então havia a sensação de que o mercado era perfeito e corrige ele mesmo eventuais excessos. Os governos agora são mais cautelosos e alertam a população.
BOLHA E CRESCIMENTO
O Japão continuou a crescer apesar do estouro da bolha imobiliária na década de 1990. A bolha nos EUA foi trágica . Mas não quero exagerar, o país já voltou a crescer. O Brasil, mesmo que tenha uma bolha, ainda vai poder ter um futuro brilhante.
MEDIA E OS BANCOS
Os media ajudam a criar essas bolhas com textos que sugerem a possibilidade de alta prolongada. Os bancos fazem sua parte concedendo crédito imobiliário para gente que não tem condições de pagar, porque depois eles vão revender esses créditos a investidores na forma de produtos financeiros. Aconteceu nos EUA e acho que está acontecendo no Brasil agora.
BOLSA
Na bolsa, é igual. As bolsas dos EUA e de São Paulo subiram forte de 1995 a 2000 por causa das empresas dot com. Têm mais evidência as bolhas no mercado de ações do que no mercado imobiliário, onde a especulação só começou mais recentemente. É preciso evitar ativos caros, seja nas ações ou no mercado imobiliário. Eu não investiria no mercado imobiliário brasileiro. Os mercados financeiros são empurrados a comprar bolhas apesar de elas acontecerem com tanta regularidade e causarem tantos prejuízos. Sempre há novas bolhas, é por isso que sou fascinado por elas. As pessoas passaram a criticar muito o mercado financeiro após a crise de 2008. O sistema deve ser aprimorado de forma que as finanças sejam usadas a favor das pessoas.
Entrevista ao site VEJA
Em entrevista ao site VEJA, Shiller explica que o termo "bolha" é uma metáfora infeliz por parecer algo que se rompe repentinamente. Para ele, uma "bolha" é, na verdade, algo cíclico que pode inflar e desinflar ao longo do tempo - algo mais parecido com uma bexiga.
Desde a crise imobiliária dos EUA, o termo “bolha” tem sido usado para designar inúmeros males económicos. Como o senhor define esse conceito?
Eu acho que a metáfora “bolha” vem de 1720, do mercado europeu, de um episódio que ficou conhecido como a “bolha de Mississipi”. A metáfora sugere que se trata de uma explosão repentina. As bolhas de sabão vão crescendo até estourarem de forma catastrófica. É uma metáfora infeliz porque, na economia, as bolhas geralmente não estouram de repente. Na verdade, elas podem encolher durante um longo período de tempo. A bolha dos preços dos imóveis no Japão, que se formou nos anos 1980 e que teve seu pico no começo dos anos 1990 está desinflando até hoje, por exemplo. Ela está perdendo tamanho há vinte anos. Eu acredito que as bolhas sejam formadas por fenómenos sociológicos, elas são criadas pelos pensamentos das pessoas. E o pensamento não muda da noite do para o dia. Os movimentos repentinos no mercado financeiro acontecem tanto para cima quanto para baixo. Por exemplo, o mercado financeiro dos Estados Unidos teve uma tendência de queda entre 1929 e 1932, foram quase três anos de queda. Mas isso não quer dizer que de repente ele estourou.
É possível prever o momento da contração da bolha?
Nos Estados Unidos, por exemplo, isso aconteceu em 2005, ou seja, três anos antes da crise do Lehman Brothers. A crise do Lehman Brothers foi um efeito colateral da crise imobiliária. Eu tentei voltar para 2005 para analisar o que mudou de lá para cá. O que eu vejo que mudou é que as pessoas aprenderam a palavra “bolha”. Elas nem sabiam o que significava até então. Eu sei disso porque eu fiz pesquisas com perguntas diretas às pessoas. Por volta de 2003, por exemplo, ninguém havia mencionado a palavra “bolha”. O que todos diziam é que “imóvel era o melhor investimento”. Depois da crise dos anos 2000 ficou a impressão de que os imóveis não são bons investimentos, mas eles são, porque as pessoas sempre vão querer moradia. O que as pessoas não percebem é que se os preços sobem um dia eles caem.
No Brasil, o senhor acredita que exista uma bolha no mercado imobiliário causada pelos estímulos ao crédito?
Analisando os indicadores de preços de imóveis do Brasil pode-se perceber que os preços vêm dobrando. Eu suspeito que haja a formação de uma bolha. Uma boa evidência é comparar sempre os preços do imóvel com o do aluguer. Nos Estados Unidos, por exemplo, os imóveis tiveram alta a um ritmo mais avançado do que o dos alugueres. Eu não pude ver os preços dos alugueres do Brasil, mas acredito que isso esteja acontecendo também. Isso é crítico porque não é que de repente as pessoas queiram consumir mais casas, mas esse apetite pelas compras é motivado pelo investimento. Isso é um problema. Meu temor é porque as pessoas agora estão tomando empréstimos para comprar imóveis. Se os preços entrarem em colapso, vai incorrer no mesmo tipo de problema que tivemos nos Estados Unidos. Isso pode ser convertido em uma recessão.
O que pode ser feito para evitar esse cenário? O governo tem poder para impedir?
O governo deveria se manifestar contra a formação de bolha, eles precisam acreditar que trata-se de uma bolha. E ele deveria fazer um aperto na oferta de crédito. Também pode-se fazer uma legislação que puna a oferta irresponsável de crédito. Uma outra medida interessante é contratar mais reguladores. A regulação é custosa, você não pode fazê-la de uma forma crua. É preciso saber quem é o emprestador responsável e quem não é. Isso se descobre com investigação e isso é custoso.
Esta semana o Fundo Monetário Internacional emitiu um relatório que recomenda que os bancos públicos brasileiros diminuam o ritmo de concessão de crédito. Qual sua opinião sobre isso, pensando no impacto no mercado imobiliário?
O banco de Israel fez isso. Eles estavam criando uma bolha imobiliária. Na China, as autoridades criaram barreiras para evitar a compra do segundo imóvel, por exemplo.
O que acontece para que se forme uma bolha é o fato de as pessoas se apressarem para comprar até cinco casas, elas querem comprar quanto for possível. Foi isso o que aconteceu nos Estados Unidos, a compra do segundo imóvel cresceu substancialmente. Isso é um problema, se muitos compram mais de um imóvel, os preços sobem.
Nossa situação é também um pouco diferente, há um déficit de moradias...
É difícil explicar isso porque eu teria que analisar a situação do Brasil.
Uma regulação mais rígida pode evitar que uma bolha seja criada?
É difícil evitar isso completamente. O problema é que sempre tem alguém que nega a existência de uma bolha. Eu estava muito atento a isso na formação da bolha norte-americana. Eu tentei debater com as pessoas a existência de uma bolha em 2005 e 2006. Algumas dessas discussões foram televisionadas num programa da CNBC. Isso foi em 2005. Eu discuti com economistas que escreveram longos artigos que tinham tabelas e estatísticas, ridicularizando a existência de bolhas. Eu tive dificuldade para vencer os argumentos deles. Isso porque é difícil provar uma bolha.
Como se prova que há uma bolha?
É difícil, mas se você conseguir prová-la é possível também colocar fim. As pessoas têm a impressão de que a alta dos preços é um avanço da economia, e que isso vai tornar as pessoas mais ricas, mas elas não têm noção das estatísticas. Isso não é a verdade. Pode-se observar, por exemplo, a evolução dos preços dos imóveis em comparação com a evolução dos preços dos alugueres, que deveriam aumentar na mesma proporção. Uma diferença é um indicativo de bolha. Se for feita a correção com a inflação, os preços deveriam ficar quase que estáveis. Eu peguei dados no intervalo de 100 anos nos Estados Unidos dos preços dos alugueres e os preços caíram em vez de aumentar. Além disso, nossa economia tornou-se mais eficiente, nossa forma de construção também, isso barateia o custo de construção e os preços deveriam ser menores.
O Brasil vive uma situação de “bolha” do consumo?
O Brasil teve um “turning point” na década de 1990 com o controle inflacionário. Mesmo hoje, a inflação no país é moderada. Sobre o crescimento, o que aconteceu com o Brasil foi o mesmo que aconteceu com a China e com todos os Brics. Houve um sentimento de “milagre”. Eu acho que essa ideia de milagre desses países como China, Brasil, Rússia e Índia se espalhou pelo mundo. Mas esse tipo de milagre não dura para sempre, ele acaba mais cedo do que se espera. No meu livro “Espírito Animal”, eu digo que a confiança não é um fator exógeno. Mas que ela é conduzida, substancialmente, por histórias da mente humana, a capacidade do cérebro humano de armazenar as boas histórias. Eu não sei como analisar o Brasil, não faz parte da minha realidade. O que eu me lembro é da vitória do presidente Lula, cuja eleição trouxe medo para muitos, mas ele acabou se tornando pragmático na economia e isso trouxe confiança às pessoas.
Realmente uma bolha, seja ela ou não imobiliária, é derivada sempre de uma abundante oferta de crédito por parte da banca, associado a um forte crescimento do setor da construção, o que leva a um forte endividamento das famílias e consequente aumento dos preços.
ResponderEliminarFelizmente que em Portugal estamos a ter um período de ajustamento de preços, evitando que atingíssemos uma bolha imobiliária, o que seria ainda bem pior do que já estamos a passar...