O século XXI tem sido marcado pelo fenómeno da globalização económica e financeira, a qual já se vinha fazendo notar a partir da década de noventa do século passado, o que vem conduzindo a novos desafios que obrigam os Estados a encontrar novas respostas para a nova realidade económica. Em resultado da globalização tem-se verificado o avolumar de situações de dupla tributação internacional, fruto de um cada vez maior número de operações plurilocalizadas, bem como um crescente fenómeno de concorrência fiscal entre as empresas e os próprios Estados, que concorrem entre si para atrair investimentos, através da concessão de benefícios fiscais e condições especialmente vantajosas para a sua localização.
Neste sentido, o conceito de residência, hoje o elemento de conexão mais intenso de ligação de uma pessoa a um Estado, é fundamental para fixar e delimitar o direito de tributação dos rendimentos obtidos por um residente ou um não residente, o qual pressupõe uma presença real ou presumida, com uma determinada conexão económica e um determinado nível de integração social. Este conceito, que e definido por cada Estado, decorre das convenções de dupla tributação aceitar essa prorrogativa legal. Consequentemente, remetem para a legislação interna de cada Estado, limitando-se a estabelecer regras para a fixação da residência em caso de dupla residência, o que determina a existência de uma multiplicidade de definições que geram os mais variados problemas e perplexidades.
O elemento de conexão - residência - visa determinar o âmbito de aplicação pessoal de uma lei fiscal, resolvendo casos de dupla tributação, que resultam da dupla residência, bem como resolver os casos de dupla tributação que resultam de conflito de tributações no Estado da residência e no Estado da fonte.
Os Estados tem estabelecido como princípio geral a tributação universal (worlwide taxation principle), que abrange as pessoas domiciliadas no sentido atribuído pelo direito privado, mas também as pessoas que permanecem com carácter de continuidade ou por um determinado período temporal. Assim, por um lado, importará distinguir do conceito de residente, mais amplo, o conceito de domicílio, que tem um sentido mais restrito, mas de intensidade mais acentuada. Estes dois conceitos gozam de autonomia jurídica relativamente a idênticos conceitos de outros ramos do direito. Por outro, atender que, apesar de alguns Estados não fazerem tal distinção, é possível encontrar uma conceção subjetivista, onde se exige a permanência física ("corpus") e a intenção de residência ("animus") ou a objetivista de residência, que se basta pela presença física.
O estatuto de residente português adquire-se alternativamente pela permanência no território por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, utilizando Portugal a expressão «no período de 12 meses» enquanto países como Espanha utilizam a expressão «durante el ano natural». Como segundo critério alternativo, o regime português elegeu, quando a permanência seja por menos tempo, a disponibilidade de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual num qualquer dia do período. Ao invés, outros países optam pela consagração do critério indeterminado do núcleo principal ou da base das suas actividades ou dos interesses económicos, de forma direta ou indireta.
Acresce que a legislação portuguesa consagrava a existência da residência por presunção, fruto do princípio da atração da unidade familiar, foi com a reforma do IRS revogada, decorrente de se ter passado a admitir a tributação separada dos cônjuges. Ademais, existe ainda a residência por trailing tax, como resposta à imigração por razões fiscais e, por fim, encontramos os residentes virtuais e o regime especial dos residentes não habituais.
Um dos problemas que é mais usual encontrar-se no direito fiscal internacional é originada pelo fenómeno da dupla residência, que ocorre pela adoção por diferentes Estados de diferentes elementos de conexão ou pela interpretação diversa por dois ou mais Estados do mesmo elemento de conexão, como recorrentemente sucede com o entendimento acerca do que seja o círculo de interesses vitais. Nesse sentido, Portugal, com a Reforma do IRS, introduziu um novo conceito de residência, isto é, a residência "parcial" segundo o qual se passará a prever um regime que se poderá designar porrata, o qual implicará o abandono da tributação universal, fora do espaço temporal anterior ao do início da permanência em Portugal, pelo que se passa a tributar, como residente, o rendimento auferido a partir do primeiro dia de permanência em Portugal. Este novo sistema vem "aparentemente" resolver questões de dupla tributação, mas, no entendimento do autor deste texto, apenas nas situações em que o outro Estado onde o contribuinte manteve residência num determinado período do ano também adote o mesmo sistema (p.e. França), pois, a não ser assim, continuarão a verificar-se situações de dupla residência com efeitos de dupla tributação internacional, agravada pela situação de se deixar de observar o princípio da unicidade da residência.
Por fim, em resultado do processo de globalização e do processo de concorrência fiscal entre Estados, Portugal, no âmbito da competitividade da economia portuguesa e atração de investimentos e capitais, criou o regime especial dos residentes não habituais, que se entende não ser uma terceira figura (entre residentes e não residentes), mas antes tratar-se de uma figura de natureza "sui generis" e mista, por ter caraterísticas de tributação de residentes e de não residentes, com outras que são próprias. Este regime tem genericamente uma duração limitada de 10 anos, para todos aqueles que não tenham sido residentes portugueses nos últimos cinco anos e que optem por aqui fixar a sua residência, beneficiando de isenção de tributação de rendimentos de fonte estrangeira, e de tributação segundo uma taxa proporcional reduzida (20%) sobre alguns rendimentos de fonte portuguesa.
Por Zeferino Ferreira, advogado na António Vilar, Luís Cameirão & Associados
Fonte: Vida Económica
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