Numa das ruas mais ‘trendy’ de Lisboa, a procura de espaços livres fez disparar o preço por metro quadrado.
Quando um norte-americano entrou na Casa Pereira, a meio da rua Garrett, o gerente António Lemos pensou que ele queria comprar grãos de café, vinho do Porto ou bolachas caseiras. Puro engano. O suposto cliente tinha uma proposta para fazer. "Disse que vinha em representação de um fundo estrangeiro e queria comprar ou alugar o estabelecimento", conta o gerente, ainda visivelmente incomodado.
A Casa Pereira tem cerca de 60 metros quadrados e é uma das poucas lojas que ainda resistem às propostas tentadoras dos investidores. Fundada em Abril de 1930, os empregados estão impecavelmente vestidos com gravata e casaco. "Eu nem quis ouvir o valor da proposta, mas a intenção era montar um pronto-a-vestir", lembra António Lemos.
A pouca oferta de espaço e o excesso de procura pelas marcas fizeram disparar os preços de arrendamento naquela rua do Chiado, chegando mesmo a ultrapassar os da Avenida da Liberdade - os valores na Garrett para o comércio ‘prime' de rua já superaram 100 euros por metro quadrado (embora a média ronde 90 euros). "Na rua Garrett existem unidades de dimensão inferior às da Avenida da Liberdade, o que provoca que a renda média para essas lojas seja tendencialmente mais elevada", explica Carlos Récio, director de retalho da consultora CBRE. No entanto, este responsável sublinha que o nível de rendas "será similar para situações comparáveis." Na Avenida, onde estão marcas luxuosas como Prada, Gucci ou, mais recentemente, Cartier, o preço médio de referência é de 85 euros por metro quadrado, avança a CBRE.
Patrícia Araújo, directora de retalho da Jones Lang LaSalle Portugal, tem uma opinião semelhante. "É de facto [a Garrett] que atinge o nível mais alto. É uma rua muito pequena, daqueles casos onde a procura é nitidamente maior do que a oferta", acrescenta. Também Sandra Campos, directora do departamento de retalho da Cushman & Wakefield, confirma a existência de transacções superiores a 100 euros por metro quadrado.
Na Garrett, o processo de abertura de uma loja tanto pode demorar quatro a seis meses, como vários anos. O tempo de espera depende da disponibilidade de espaços, mas também da possibilidade de se alcançar um acordo tripartido entre o actual inquilino, o proprietário e o novo inquilino. Segundo o director da CBRE, a transacção pode "não se concretizar devido à inexistência de lojas com as características pretendidas, ou por desacordo entre as partes no que respeita às condições financeiras". Esta consultora instalou recentemente as marcas Tous, Havaianas e Stradivarius.
Marcas atraem marcas
Perto da Casa Pereira, mas do outro lado da rua, está outra resistente: a sapataria Helio. Ali, em mais de 30 metros quadrados, estão expostos vários modelos de sapatos clássicos para homem e senhora. "Todos os nossos produtos são nacionais e temos clientes muito antigos, que passam de geração em geração", diz João Manuel, um dos funcionários da sapataria.
Além dos clientes, a sapataria é alvo de outro tipo de visitas. Por ali passam frequentemente investidores que deixam um cartão de visita. A conversa começa sempre da mesma maneira: "Se os donos estiverem interessados em arrendar ou vender a loja...", conta o empregado. "Se acabarem connosco, com a Casa Pereira ou com a florista, a Garrett nunca mais será a mesma", acrescenta João Manuel.
De um lado da barricada estão os pequenos negócios tradicionais, que perdem margem de manobra. Do outro estão as grandes marcas, dispostas a pagarem bem para conseguirem fixar-se na Garrett. Esta é uma zona ‘trendy', que concilia marcas de gama alta com outras mais massificadas, como são o caso da Zara ou da Bershka, do grupo Inditex, fundado por Amâncio Ortega. Segundo apurou o Diário Económico, Ortega, um dos homens mais ricos do mundo, continua à procura de espaços disponíveis nesta rua.
"A Garrett é artística, um dos bairros mais antigos e nobres de Lisboa, que se enquadra num contexto de reabilitação da cidade, próxima do Bairro Alto, seguindo as tendências para este tipo de localização", explica Pedro Salema Garção, responsável da Worx. Para este executivo, o eléctrico 28 torna "esta zona ainda mais atractiva para os turistas que querem visitar as zonas históricas da cidade, complementando o passeio com ‘shopping'". Foi o caso de Dan Ekien, um sueco que veio a Lisboa pela primeira vez. "Vim de Estocolmo para conhecer a cidade. É uma visita rápida de três dias", conta Dan. O turista levava na mão um saco da Zara. "Aproveitei para comprar algumas peças. É mais barato aqui do que em Estocolmo", responde.
Para Sandra Campos, da Cushman & Wakefield, a Garrett beneficia de uma conjugação de factores. "É um local muito visível, as marcas atraem marcas, e há um grande movimento de pessoas", sublinha a especialista. De acordo com um estudo da CBRE, datado de 2008, o tráfego médio na rua Garrett, no período compreendido entre o meio dia e as 15 horas, é de 1.260 pessoas por hora. João, advogado de um escritório perto dali, é um desses exemplos. Aproveitou a hora de almoço para dar um passeio e parou em frente à Hugo Boss. "Sou cliente desta loja, mas também de outras na Avenida da Liberdade", conta.
Se as marcas de luxo parecem imunes à crise, o comércio tradicional é mais sensível à conjuntura económica. António Lemos, da Casa Pereira, diz que a crise afectou o negócio. "Há menos dinheiro, logo as pessoas gastam menos".
No entanto, isso não o faz baixar os braços. Nem arrendar a loja. "Trabalho aqui desde os 18 anos e não quero sair. Tenho uma grande variedade de produtos para os clientes comprarem, desde chocolates a conservas".
Além do representante do fundo estrangeiro, o gerente também colecciona vários cartões de outros investidores, também eles interessados no espaço. A florista Pequeno Jardim, uma das lojas mais antigas do Chiado, passa pelo mesmo. Apesar de ser um pequeno espaço de vão de escada, a gerente Elisabete Monteiro também já foi abordada para o arrendar. "Fizeram algumas propostas, mas não houve acordo", conta, sem adiantar valores.
Elisabete, que tem nos portugueses os melhores clientes, explica que os turistas "compram pontualmente", mas param muitas vezes para tirar fotografias. "Se estas pequenas lojas acabarem, a rua Garrett perde a identidade. Fica igual às outras", alerta a florista. Um outro empregado da sapataria Helio recorda o caso de uma proprietária que arrendou a loja a uma marca de moda espanhola. "Agora recebe quatro ou cinco vezes mais."
António Lemos, que gosta de falar dos tempos em que a fadista Amália Rodrigues visitava a loja, não faz previsões sobre o futuro da ‘Casa Pereira'. "A Garrett tem mudado muito ao longo dos tempos. Eu e o meu filho, que tem 58 anos, queremos ficar aqui. Mas os netos...nunca se sabe".
Fonte: Económico
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