Entrevista a Luís Lima, Presidente da APEMIP, sobre a problemática da nova lei do arrendamento.
A atualização das rendas feita pelos senhorios está a provocar grande polémica e grande agitação no país. Como interpreta esta situação?
A distorção que vários e longos períodos de congelamento das rendas nas principais cidades provocou no mercado do arrendamento urbano, explica esta urgente vontade em aumentar o valor das chamadas rendas antigas que a nova lei do arrendamento urbano permite com as limitações transitórias nela previstas. Esta situação, que se refere a uma percentagem do mercado imobiliário que rondará, na pior das hipóteses 15%, está a ganhar o estatuto de uma “guerra” entre inquilinos e proprietários, indesejável para todos, como aliás há muito previa, alertando publicamente para esta possibilidade.
Numa economia de mercado, o mercado do arrendamento urbano deve ser livre, obrigando-se o Estado a prestar cuidados sociais aos elos mais fracos, no caso, tradicionalmente os inquilinos que possuem menos rendimentos e que são, muitas vezes, cidadãos em situações precárias. Acontece, como se sabe, que, no presente momento o Estado está com dificuldades em prestar esses cuidados sociais... Tudo isto se conjuga para que se crie condições que ampliam essa desnecessária “guerra”, apresentando-a como um perverso efeito de uma liberalização das rendas que sempre deveria ter existido nos quadros jurídicos em que vivemos, na clara manutenção da transferência para os proprietários das obrigações sociais que ao Estado compete nesta matéria.
Considera que a nova lei, com está redigida, é a responsável pelas situações injustas denunciadas pelos inquilinos, ou são os proprietários que estão a aproveitar-se da situação?
A linguagem que normalmente utilizamos ao abordarmos este tema facilita, emocionalmente a que façamos um retrato do inquilino como vítima da insensibilidade social do senhorio. Isto não é necessariamente assim, nem tampouco nos 15% de arrendamentos onde ainda vigoram rendas antigas. Esta lei, se não queria ser igual a tantas outras que não enfrentaram o problema, teria de dar alguns passos no sentido da liberalização inevitável, como aconteceu, e teria, por questões de natureza política e de sensibilidade social, de acautelar os casos em que a respetiva aplicação resultasse numa violência para quem terá de a suportar. Pessoalmente julgo que será inteligente, da parte dos proprietários, contemplar também os cuidados que a sensibilidade social exige, mesmo tendo em conta que isso é competência do Estado. É-o, de facto e de direito, mas os proprietários também podem considerar essa situação, em nome de uma paz social que também interessa aos proprietários e em nome de um caminho que, dadas as circunstâncias históricas tem de ser trilhado com passos pequenos. Não posso considerar a lei, que vai no caminho certo, responsável por situações injustas, nem posso dizer que um proprietário que quer aumentar a renda da respetiva propriedade está a aproveitar-se da situação. Posso e devo apelar à inteligência de todos na abordagem desta questão que, repito, apenas atinge 15%, no máximo, do universo do arrendamento urbano.
Na sua opinião que mecanismos deveriam estar previstos na lei de forma a evitar esta “guerra” entre inquilinos e proprietários?
Uma lei, por definição, não deve gerar guerras. Em princípio deve ser elaborada e promulgada em nome da Justiça. É suposto que o seja e a Lei do Arrendamento Urbano não deve ser exceção. Os únicos mecanismos justos para evitar essa “guerra” são os que se prendem com os cuidados sociais que o Estado deve assumir na defesa dos cidadãos mais vulneráveis, no caso de alguns inquilinos. Poder-se-á admitir que o momento possa não ter sido o mais adequado face às dificuldades que o Estado enfrenta em matéria de gastos sociais, no âmbito do papel social do Estado mas esta é outra discussão que não pode por em causa a justeza de uma legislação que começa a corrigir distorções de dezenas de anos neste campo. Distorções que também são responsáveis pela degradação do património construído.
Com está a funcionar o Balcão Nacional do Arrendamento?
Não tenho elementos suficientes para responder a essa pergunta e julgo que pouca gente os terá. É natural que o Balcão Nacional do Arrendamento ainda não esteja a funcionar em pleno, dado a sua recente criação e as situações complexas que tem de gerir neste contexto da nova Lei do Arrendamento Urbano. Uma avaliação deste desempenho terá de ser feita, mas a seu tempo e claramente mais para diante.
Numa altura de grandes dificuldades esta agitação está a provocar ainda mais incertezas e desconfiança no mercado imobiliário?
Está, seguramente, a distorcer a própria realidade do mercado do arrendamento urbano cuja dinamização é indispensável para relançar o sector e para reabilitar a reabilitação urbana. As questões que se colocam ao funcionamento de um mercado de arrendamento digno desse nome e útil à economia do país são outras e dizem respeito à necessidade de fazer baixar as rendas, dos chamados arrendamentos novos, para valores competitivos face aos de uma prestação bancária de um crédito habitacional. Na minha opinião essa diminuição, no segmento médio e médio baixo, que é um segmento fundamental para este mercado deve chegar aos 30 ou mesmo aos 40 %. Sob pena de não haver mercado. A fatia do mercado de arrendamento onde estas questões devem ser equacionadas com realismo é a fatia das casas com rendas entre 300 e 500 euros, rendas que, de uma maneira geral, só encontrarão uma procura que não entre em incumprimento, se baixarem significativamente para valores competitivos. Não basta que uma renda baixe dos 500 para os 485 euros. Estas é que são as questões centrais da dinamização do mercado de arrendamento urbano.
Luís Lima, presidente da APEMIP - Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal.
Fonte: Público
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